2007-03-25
Salvador não se constituiu como uma viagem completamente feliz! Tal e qual uma dos últimas comédias "estreladas" (como se diz aqui), pelo Roberto de Niro (ele é o pai), começou de forma óptima, com a sorte a destinar-nos lugares de executivo na viagem de avião!
Comodamente instalados, foi com facilidade que voamos até àquele, que na minha imaginação, se situava como o mais brasileiro ponto de todo o Vera Cruz! Não fui completamente defraudada, o mar esmeralda e azul (onde desembocam directos os esgotos), cerca o espaço urbano enfeitado com o redondo dos cocos dependurados nas mil e uma barraquinhas das avenidas laterais à água; o casario antigo, que poderia ter sido muito bem transplantado directamente de Lisboa e do Porto é lindíssimo, pintado em cores vivas que fazem sobressair os traços simples dos sobrados - agora transformados em lojas de arte e artesanato, bares e restaurantes, fazendo-se nestes últimos a entrada através de salas decoradas com móveis sobreviventes aos loucos anos 20 do século passado, ou mesmo mais antigos; a sensação é de se atravessar a casa de amigos, talvez um pouco à semelhança dos relatos que tenho ouvido sobre Cuba (não no Alentejo, mas sim nas Caraíbas..).
As Igrejas, magníficas, aconchegam-se como gatos na mesma ninhada, revelando a rivalidade existente nas inúmeras Ordens Religiosas que aí se postaram; a de Nosso Senhor do Bonfim ocupa um espaço imponente, num alto, olhando com alguma soberba a cidade mais abaixo..Sempre cheia, ouvia-se uma missa; aproveitei para rezar uma Avé Maria e um Padre Nosso, já que, convenientemente, celebrava nesse dia 10 anos de matrimónio, ocorrido na pequena Capela da Nossa Senhora do Bonfim, em Setúbal (coincidência engraçada!).
O Porto, ladeado pelo velho mercado dos escravos e enfrentando o famoso elevador Lacerda, serve essencialmente agora para o embarque de turistas nas escunas que realizam os passeios pelas diversas ilhas...Como não podia deixar de ser, lá fomos, enfrentando com alguma coragem, (porque é preciso!), uma horda de passageiros eufóricos, uma banda local que não parou de tentar abanar os quadris de todos e um calor de morte! A água é cristalina e apetecível e alguns dos locais onde paramos, ao longo da jornada, revelaram-se mesmo muito belos..Sítios onde os barcos negreiros desembarcavam as vítimas para as curar das doenças e privações que sofriam desde África, enterrar, valorizar e escolher, para as levar, já vestidas e apresentáveis, aos futuros compradores de gentes..
Noblesse oblige (espero que esteja bem escrito!), fomos até à Praia do Forte para visitarmos o "Projecto Tamar", responsável pelas recém nascidas tartarugas no árduo caminho em direcção ao mar e no salvamento das mais velhas, aquando de captura ou por motivo de acidente; se por um lado a estes ecologistas assiste o mérito de realizarem uma tarefa realmente válida, por outro não lhes reconheço o direito de aprisionarem animais de enormes dimensões em tanques pequenos que nao lhes permitem quase o movimento..
Ao longo da semana fomos vagueando pela Costa do Sauípe, num dos emblemáticos carros aqui produzidos pela VW, o Goal (não recomendo, só mesmo por uns dias!), com a Ana e o Paulo, que haviam voado desde Portugal, para nos fazer companhia nestas férias e mimar o Pedro e o Francisco, apartados havia alguns meses das tias e avós....
A população, descendente sobretudo dos africanos trazidos à força é colorida q.b., macumbeira até à ultima célula (convém não provocar ninguém ou somos de imediato engajados numa lista de pessoas indesejáveis e amaldiçoados para todo o sempre), conotada também com a preguiça e o "dolce fare niente sem culpa nenhuma"; são de igual forma os mais mal pagos do país e um dos menos alfabetizados.
Não foram umas férias excelentes porque a parte cultural foi descurada, era difícil manter os miúdos muito tempo longe da água e também porque, a meio da semana, deveríamos ter trocado o hotel citadino, por um daqueles maravilhosos resorts, cheios de mordomias e próximos de praias onde a poluição não fosse um sério impedimento a uma refrescante banhoca diária..De igual forma, num local riquíssimo em História, apenas fomos brindados nos passeios organizados por que optamos, com guias medíocres que se limitavam a debitar estórias não muito interessantes que versavam os nativos locais..Uma pena!
Um último apontamento sobre a culinária típica: ao fim de três dias já não havia pachorra para tanta moqueca, pimenta e sal, só para as enjoativas cocadas de todas as cores e sabores!
"Pois não há uma atenção, não há um carinho ..para acrescentar à lista das saudades a aventura, o risco, o horror, a tragédia ..enfim a labuta no IRS
Estou aqui para remediar a desatenção..
Foi no dia 2 de Maio de 2004, ia o Francisco fazer dois anos de idade daí a dias, que coloquei os sapatos na entrada descaracterizada do IRS..Empurrei a porta que faz barulho, galguei os poucos degraus com o coração acelerado (costume que nunca perdi, excepto nas ocasiões em que quis surpreender) e rapidamente, "caí" nos braços da São, minha nova chefe cuja calma, amabilidade e aparente doçura, me haviam feito tomar a decisão de trocar o SNRIPD pelo IRS..
O primeiro encontro com as feias paredes (eu que havia sido habituada aos espaços imensos, às lareiras acesas da Malvazia, a armários embutidos de madeiras côr-de-mel), foi estranho! Esperava-me um pequeno gabinete cinzento, cuja única janela espreitava um pátio desarrumado que se enfeitava apenas de gatos, muitos e de cores diferentes.. Lá dentro, sentada sobre a perna, sandália a cair-lhe do pé, estava a Sílvia, a conversar com o Pedro, correcto e direito, de cenho levemente carregado e ponto de interrogação nos olhos..
À semelhança de Irolinda, uma década antes, a São levou-me a mim e à Ana (que no retorno da sua licença por tempo indeterminado havia sido colocada a realizar trabalho de campo), pelas poucas divisões, apresentando-nos rapidamente a todos..
E foi assim que, partindo do enorme desgosto que o meu antigo local de trabalho se havia tornado, encontrei um rumo diferente, um desafio constante e voltei a soltar em mim o furacão contido, voltei a sentir-me útil depois de me ter recusado a pagiar os chefes que o destino irónico me havia legado entretanto; aprendi a conviver com uma realidade por mim reconhecida, mas distante; não tive que prescindir da minha rebeldia, sabiamente conduzida primeiro pela mão da São, depois pela da Sílvia; voltei a encontrar a alegria de pensar que "amanhã é dia de trabalho!" E que todos os dias, as pessoas, fascinantes como elas só, me proporcionariam a emoção se revelarem ou não, de me ensinarem o gosto pela vida..
Foi muito bom, obrigada!
2007-03-17
Paraty
Dei-me conta que das minhas andanças pelo tropical país ainda não falei do Paraty, de Salvador na Bahia, do Hotel Fazenda em Paranápanema, Cataratas do Iguaçu ou mesmo do sempre fashion Campos do Jordão, Embú das Artes (paraíso dos ladrões de turistas), entre demais..
Paraty foi para mim uma divina experiência que me remeteu à minha infância, em Cabo Verde..Situada no litoral, a meio caminho do Rio de Janeiro, perto de Búzios, rodeia-se de praias brancas onde o mar se reparte nas rochas, criando deliciosos cantos que mudam de forma a cada instante...A vila, colorida, parou no tempo em termos de construção, mas atenta às tendências revivalistas, repintou os casarões de cores alegres, abrindo na noite todas as janelas de guilhotina e as portas imponentes, que desembocam em ruas lavadas pelo mar nas marés muito vivas, que muito diligentemente, lustram as centenárias e irregulares pedras dos caminhos..É preciso alguma habilidade e não menos elegância, para não se escorregar nos blocos polidos pela água, tempo e pés..
A Igreja Matriz é igualzinha na minha imaginação ao local onde eu, no dia 25 de Abril do ano de 1965, recebi o meu baptismo, rodeando-me, segundo a tradição, da minha madrinha-porta-de-igreja, padrinhos-do-registo-civil e padrinhos-católicos...Numa das noites processava-se uma solene procissão que terminou com o retorno da Santa ao seu local de descanso, em meio a velas acesas trémulas, cânticos religiosos, turistas e feiras de rua que sem cerimónia, se apoderam dos melhores locais para aí depositarem rodos e rodos de objectos artesanais, alguns extraordinários, outros nem por isso..
Os restaurantes multiplicam-se lado-a-lado, apresentando uma panóplia imensa de gostos, origens, tradições..Os preços são altos, ao Paraty ocorrem os turistas cujas carteiras estão habituadas a carregar euros ou dólares, ou invés dos reais habituais..
Em frente, moram um número elevado de ilhas, algumas propriedades de VIP's nacionais e estrangeiros, sendo possível fazer ao longo de um dia, o passeio nas escunas, que serpenteiam habilmente entre elas e que realizam algumas paragens para que se possa mergulhar nas águas transparentes e quentes, ou desembarcar, naquelas que são públicas.
Uma advertência porém: cuidado com os vossos cartões de crédito e débito, a tendência à clonagem é forte e o vil ladrão que copiou o nosso tinha gosto requintado; ao longo de oito dias repimpou-se pelas paradisíacas paragens, postando-se em tudo o que era lugar tchan e degustando refeições, sem dúvida regadas com fino vinho!
Um xi-coração,
2007-03-11
Babel
O condomínio onde moramos é uma verdadeira Torre de Babel (está na moda, certo? Com o Brad Pitt, o homem que em "Tibete" me deixou sem fôlego ao envergar uma maravilhosa camisola de gola alta..).
Aqui, nas oito torres de oito andares (chique é morar no último, duplex, com direito a piscina privada no terraço), convivem lado a lado nacionalidades diferentes: portugueses (nós), argentinos (muitos), chilenos, panamianos, americanos, brasileiros, japoneses, alemães, suíços, franceses (poucos) e outras ainda...
Situado numa zona calma da metrópole agitada, rodeia-se de pequenas vivendas dissimuladas entre árvores e edifícios de algum porte, onde empresas multinacionais se instalaram de forma definitiva, ao mesmo tempo que convenientemente perto das artérias principais da cidade, a dois passos da escola dos miúdos, dos shoppings mais procurados, a vinte minutos dos melhores restaurantes, teatros e de Moema, um dos meus bairros preferidos..
Aqui, no agito diário, circulam umas centenas de pessoas, entre moradores, visitas, fornecedores, empregados domésticos e do próprio condomínio; o movimento é impressionante!
A entrada é monitorada por uma equipa de seguranças que se passeiam em qualquer canto deste recanto! Nao é possível a um par de namorados esconder-se num local mais escuro para as actividades próprias que o estado de paixão requer..Seriam de imediato detectados e avisados, de forma educada, que tal comportamento não se encontra previsto no manual dos moradores (brochura com alguma grossura de páginas); de igual forma, não se consegue mergulhar na piscina de água quente besuntado com creme da praia ou sem touca, colocada de forma correcta, no alto do cocuruto..eles estão em todos os lados! Big Brother is watching you!
Se por um lado tanta regra chateia, por outro garante a capacidade de resposta, o chão limpo e imaculado, o desfrute mais pleno dos equipamentos..
Por ser uma Babel e porque aqui se concentram mulheres em Terras de Vera Cruz, provenientes, como eu, de rotinas mais implacáveis que determinavam um dia-a-dia muitas vezes complicado, existe entre nós uma camaradagem que se estabeleceu de forma implícita, as regras não escritas mas apreendidas pelo sexto sentido feminino, marcaram fronteiras ao mesmo tempo que as saídas, almoços e outros meetings primam pela quantidade de línguas faladas, é giro!
Hasta luego!
2007-03-04
A tranquilidade de Carmen
Carmen é a minha panamiana. Mora no mesmo prédio do que eu e no início do meu exílio voluntário encontrava-a, amiúde, no elevador..Bom dia, boa tarde..Um dia, em presença dos meus filhos que envergavam o uniforme do colégio, perguntou-me, em "portinhol", se eles frequentavam a escola..A partir daí o cumprimento tornou-se mais caloroso e depois de dois meses em S. Paulo, limitada apenas à companhia da família e ao diálogo com Analice, resolvi convidá-la para tomar um café ..Olhou-me, abanou a cabeça em sinal de concordância e.. passei mais de um mês sem a ver!
Tentei analisar o que teria dito, quais as consequências de realizar um convite a uma estranha, que tipo de indelicadeza teria cometido relativamente às regras implícitas do Panamá..Por fim, adoptei o amuo e fiquei de birra!
Analice que entrou na minha vida para a organizar, resolveu então que era tempo de eu circular..decidida telefonou a Sandra, sua quase patroa..Sandra, uma brasileira recém chegada de Itália, mulher extraordinária de coração aceso, organizou um almoço, onde quis o destino que me sentasse ao lado de..Carmen!
Carmen revelou-se uma mulher atenta, calada, com os sentidos despertos...preferiu ouvir a falar..nesse dia entendi o porquê da sua ausência repentina..Carmen é dona de uma tranquilidade assombrosa..assentou toda a sua existência nesta única palavra..nela baseou a família, a casa, os hábitos..
Hoje em dia saio bastante com Carmen, conheço Eládio o marido (que por detrás de uns óculos de intelectual esconde um humor activo e inteligente), admiro a beleza morena de Mónica de seis anos e o carisma de Juan que faz nove amanhã...acima de tudo, aprecio a tranquilidade de Carmen..
2007-03-03
Coisas que gosto e coisas que nao gosto
Coisas que gosto aqui:
A varanda, com vista sobre as vivendas cobertas de verde e a mesa de vidro e bambu onde, ao fins-de-semana, tomo o pequeno-almoço sem pressas..;
A varanda, com vista sobre as vivendas cobertas de verde e a mesa de vidro e bambu onde, ao fins-de-semana, tomo o pequeno-almoço sem pressas..;
O sol castigador que de forma rápida se deixa cobrir pelo encontro das nuvens escuras que produzem relâmpagos formidáveis e trovões ensurdecedores;
O vento, suave brisa que balança docemente as palmeiras;
As estradas ladeadas de mata atlântica que borda a paisagem;
A família de macacos que sobrevive na selva de cimento, instalada nas árvores do condomínio e que viaja entre este e a escola;
O bando de papagaios de cores e tamanhos diferentes que sobrevoam o bairro, sem esforço;
O colibri que vi na rua, beijando delicado uma planta no jardim;
A Teresa e a Erika, responsáveis pelas actividades extra-curriculares no colégio e que nos fazem sentir bem-vindos;
O António, contínuo, sorriso gaiato, que me diz como foi o dia do Pedro;
A exclamação educada de Luís o segurança, que se despede desejando "um bom descanso senhora";
A piscina, imaculada, ainda não estreada, pela manhã;
Moema, que no alto dos seus maravilhosos 68 anos, vive plena, na companhia constante de Pedro e João Vítor, os netos;
O último banho na praia, água quente, sol a esconder-se e as ondas a partirem-se de encontro a nós;
A descoberta constante dos outros;
O valete simpático e prestável que abre a porta do carro e se ocupa dele, libertando-nos assim da preocupação;
A disposição cuidada e apetitosa do pão e bolos que convidam à degustação imediata;
Os restaurantes, surpreendentes na decoração e localização;
O filet mignon que se desfaz na boca, sem esforço...
Há outras..
Coisas que não gosto muito:
A roupa que não cheira a sabão e a pêssego como em Setúbal;
O pão que não sabe como o da praça;
O peixe que não tem gosto;
O pastel de nata que apenas conserva o nome;
A obrigação das compras no supermercado;
A saudade que me parte ao meio em certos dias;
A falta do Rio Azul;
A ausência de Lisboa, magnífica na forma e na minha libertação;
A carrinha, que já não me pertence, já nao fazer os 180 kms/hora pela autoestrada ;
A minha casa, quente no inverno, fresca no verão, agora fechada;
Os meus pais, a envelhecerem longe de mim;
A tia Mané que já não nos visita;
Há outras..