2007-02-22

E o Rio

de Janeiro continua lindo!

Segunda feira, dia de anos do Luís e férias do Carnaval, resolvemos ir passar o dia à Cidade Maravilhosa, naquilo que os brasileiros convencionaram ser um "Batchi volta"!
Aproveitando uma promoção da "Gol", uma das companhias aéreas, embarcamos cedo no aeroporto de Congonhas (que se situa, pasme-se, em plena cidade!), tendo ao fim de de cerca de 40 minutos sido possível avistar o Rio de Janeiro...
O dia anunciava-se sem grandes nuvens, cheio de sol e calor, mas a claridade para qual emergimos, não tinha sido de forma alguma imaginada! A luz natural ali é resplandecente, alegre..a tonalidade faz lembrar a de Lisboa, em pleno Agosto, quando se atravessa a Ponte 25 de Abril e se recebe, em cheio, as pinceladas de uma das paisagens mais belas que eu conheço..
Cidade tropical em núpcias eternas com o mar, existe por ele, encaixada nos espaços que sobraram entre os menires gigantes que Deus fez, quando sacudiu as mãos, ao fim da Criação Divina..As formações rochosas dominam, direitas ao céu azul de nuvens feitas de "algodão de doce"("não é verdade mãmã que as nuvens são feitas de algodão de doce?"), os prédios antigos, de traça portuguesa, comodamente instalados em espaços enormes, no meio do sempre intenso e omnipresente verde, respiram, no mesmo ritmo lento da população..A água do mar ondula suavemente, de vestido transparente e convida ao mergulho imediato..as areias brancas estão cobertas de toalhas alegres e o carioca circula, de chinelo no pé, calção de banho e biquini, descontraído, sem pressas, sem relógio..o calor é sufocante, passeiam-nos dedos humidos pelo corpo..
Raimundo, o nosso motorista (baiano que abandonou a cidade natal há mais de 30 anos), encarregou-se de nos levar, de forma eficiente, pelo dia fora, aos locais de eleição, tendo-se o nosso périplo iniciado com um dos passeios mais obrigatórios: a subida ao Pão de Açucar, no "bondjinho".
O "bondjinho" é uma espécie de gaiola transparente, pendurada frágil em cabos de aço, que balança no abismo entre dois morros...sem ar condicionado!
Como resposta imediata às exclamações do Pedro e do Francisco, fomos brindados pelo "tchiqueteiro" de serviço, com o samba de uma "uma casa portuguesa concerteza"...
Lá em cima, domina-se a terra!
De volta ao chão encaminhamo-nos para o Corcovado, ligeiramente envolto no algodão doce..a subida no trem fez-se ligeira, apesar da demora em conseguir lugar! Não achei grande graça à paisagem, se bem que se trate de uma belíssima mata, mas a proximidade não deixa aproveitar a grandiosidade das árvores, basta estender a mão para lhes tocar...Subimos as escadas do Cristo, Francisco às cavalitas do pai que acha que após este verdadeiro calvário, autêntica promessa, vai conseguir a promoção do ano; eu faço uma corrida com o Pedro, até ao topo.
Depois das fotos da praxe, comemos qualquer coisa e partimos para a descoberta da cidade mais urbana, que se exibiu, sem pudor, para nós..a Barra da Tijuca, moderna e arrojada, encantou completamente..Ipanema, emana ainda glamour..O Leblon continua a ser o bairro de eleição..Santa Teresa, recamada de casas antigas e degradadas que ganhariam um Prémio Valmor, fez os meus encantos..
Quase o dia a terminar e porque seria impossível passar em branco, fomos até à entrada do Sambódromo onde, em total esplendor, pedrarias coloridas, dourados e fitas, os carros alegóricos das escolas de samba, aguardavam impacientes a demonstração...Realmente impressionante, mesmo para quem não curte o Carnaval.
Despedimo-nos finalmente de Raimundo e voltamos ao "Santos Dumont" para apanhar o avião, uma hora depois estávamos em casa, em S. Paulo.
Kisses all over

2007-02-17

A Maldição do Bacalhau

Existem pragas e maldições diversas na História da Humanidade, desde as que perseguiram os egípcios quando estes tentaram impedir o Êxodo dos escravos hebreus, passando pelas maldições dos Faraós, preocupados em manter a privacidade das suas tumbas, ou de Otokar, em Tintim...agora a que eu ignorava em absoluto e que me persegue, de forma persistente, é a ..Maldição do Bacalhau!
A Maldição do Bacalhau aparece sem aviso prévio, caí certeira sobre a cabeça desprevenida de quem a sofre (leia-se portuguesa desocupada em Terras de Vera Cruz), é uma verdadeira..praga!!! Dela não se consegue estar a salvo de maneira alguma, apresenta-se disfarçada em sorriso de acolhimento ("Ha! É portuguesa..pois então!") e trufa!!; quando menos se espera, lá fica pregada, ou a pairar, dependurada pelos lacinhos cor-de-rosa da chamada "boa educação"...As consequências são terríveis, revelam-se em forma de compras (do bacalhau, claro), na preocupação da dessalinização do dito (depois de tanto trabalho a cobri-lo e a mantê-lo naquilo), no cheiro intenso da cebola e do alho descascado que se colam às unhas acabadinhas de arranjar, no desfiar do peixe de forma atenta para que não sobrem espinhas incómodas e depois, na manufactura cuidadosa de um prato, que eu, à partida, nunca consegui fazer do mesmo modo, duas vezes seguidas! E no meio disto ainda me falta a coragem de dizer que nasci caboverdiana, fã absoluta de uma boa cachupa e de um bolo de queijo!
Quinta feira, a convite de uma nova amiga (e é mesmo nova, deve ter menos 12 anos do que eu, ainda que tenha um filho mais velho do que o Pedro), fui observar Betina, uma conceituada Mestre Cuca de já provecta idade e assessora nas artes culinárias, da Revista Cláudia, na apresentação de três (muito saborosas) tortas (tartes na língua de Camões), no âmbito dos artigos publicados sob o título de "Cozinha Experimental".
Foi giro (e explicar esta expressão aos nossos primos brasucas?), tendo no fim tido o prazer de degustar os petiscos confeccionados sob os nossos olhos atentos.
Estava eu entretida a partir, da forma o mais elegante possível a "torta de peixe enfeitada a merengue", já de garfo na boca para a terceira dentada, quando oiço Betina de modo natural, em passant, anunciar que, a próxima aula seria dada pela portuguesa presente, subordinada ao tema "bacalhau!!!" E pronto, mais uma vez, a Maldição, ciente das minhas limitadas capacidades pantagruélicas, se havia pura e simplesmente derramado por sobre mim!!! Balbuciadas desculpas e súplicas patéticas de ser simplesmente a sua assistente numa tarefa tão arrojada, encontro-me agora, à mercê da Grand Chef, aguardando o desenrolar do episódio, absolutamente incrédula com o desfecho de uma simples ida até às instalações da "Cláudia", num dia em que para me distrair, achei por bem aperfeiçoar dotes que na realidade em mim, são mágicos..ora lá estão, ora fogem, ora lá estão, ora fugiram de novo..sem controlo!
Boas jantaradas!

2007-02-09

Feira

Sexta feira é dia de mercado aqui, no bairro. Ao fundo da minha avenida, mesmo junto ao stand de carros ultra-luxuosos, o arraial é montado, sem cerimónias, obrigando os condutores a realizar percursos alternativos..
Bancas e bancas de frutas, hortaliças, flores, peixe, carne; de pasteis (petisco obrigatório em S. Paulo), de doces; de todos os condimentos que outrora se compravam a peso de ouro com risco de vidas, trazidos nos dorsos dos camelos que enfrentavam os quarenta ladrões, e tudo e tudo!
Gosto de ir à feira, acompanhada de Analice...no principio, tímida e respeitosa, colocava-se dois passos atrás de mim, obrigando-me a parar e chamar por ela, fingindo não perceber a tradição da desigualdade; com o tempo, é ela quem me arrasta quando eu paro, paralizada pelo cheiro intenso das frutas tropicais, a curiosidade imensa que me assalta perante os legumes mais estranhos, a solicitação dos feirantes e dos pedintes, sempre os mesmos...Analice adora exibir-me às outras empregadas do condomínio que por ali cumprem as tarefas obrigatórias (madama que é madama não se mistura assim) e quando está bem disposta, diz que sou uma "benção"...
Logo depois das bananas e mesmo antes do peixe, senta-se num banquinho baixo, um individuo com deficiência motora, de sorriso fácil e cabelos encaracolados que espera a minha oferta de forma atenta e que, no fim, me deseja um dia feliz..temos uma relação engraçada, nem eu faço um favor, nem ele recebe o dinheiro como tal..Erika, despenteada, de expressão cansada e dura não obstante a sua tão tenra idade, limita-se a estender a mão, olhos perdidos no vazio..o velhote que quase nao fala, apenas resmunga, persegue-me pelo terreno, quantas vezes ele considerar necessárias apesar de Analice "o botar pra correr.."..De todos, o que me deixa com o coração mais despedaçado é um homem de quem por norma se foge porque tem o hábito da agressão: alto, negro, era uma vez atlético, quase nu, envolto nos trapos mais nojentos que algum dia vi, cabelo e barbas duras da sujidade acumulada , olhos loucos..hoje comprei-lhe um pastel, sentou-se mudo no passeio, comendo devagar, como um gourmet experimentado..
À medida que percorremos a feira delicio-me com os pregões, cheios de imaginação, cantados ou gritados na hora, fariam uma varina repensar a vida! Mas o melhor, o melhor de tudo, é o bom dia de todos, a oferta generosa dos produtos, a boca ligeira e bonita: "uma flor carregando flores.."; "olha a pêra portuguesa que vem lá do sítio onde tu nasceu.."
Um abraço

2007-02-06

Era uma vez..

Hoje pediram-me para contar uma história...
Há alguns anos atrás, ainda eu era uma miúda sem grandes preocupações, betinha q.b., à beira da Inevitável Ruptura com o Antes e Depois, fui convidada pela minha amiga Fata a acompanhá-la na grande expedição italiana, à beira do Lago Di Como, local nesse ano escolhido para a realização do Campeonato Europeu de Dart18! A Fata era, da caravana combinada, a única que não competiria.
O convite foi feito na véspera da partida e quase sem hesitações, aceitei... Afinal, o Rui, meu então namorado, até se encontrava ausente, em lugar certo, a passar umas excelentes férias com os amigos, sendo dado adquirido que eu não o poderia/deveria acompanhar nas aventuras de verão!
De um momento para o outro comprei liras, fiz a mala e não dormi lá muito bem, fantasiando a viagem..poderia tentar conhecer Veneza e Florença; Milão estava, à partida, garantida.
À hora marcada o Henrique parou à porta de casa dos meus pais! Carrinha Volvo último modelo, ar condicionado a funcionar em pleno (naquela altura um luxo!). Foi-me imediatamente comunicado, ainda antes das apresentações (era a primeira vez que o via!) que não era permitido: 1) comer o que fosse a bordo; 2) beber líquidos; 3) realizar ou "sonhar" qualquer tarefa que viesse a significar uma mancha nos bancos! (Segundo testemunhas oculares, sequer os filhos, de tenra idade, tinham permissão para degustarem um biscoito que fosse!)
A viagem revelou-se agradável, rápida, com o Henrique quase sempre ao volante (embora, depois do Mónaco o "Most Beatiful Man" tivesse tido autorização de pilotar um pouco..).
Em França encontrámo-nos com o Gil e o que tinham estado a participar de uma outra prova; a partir daí o Luís, na companhia da Tininha (a então namorada), passou para o Fiesta comercial que havia emprestado aos dois e a minha Fatinha integrou a equipagem do Jipe Nissan, propriedade do Gil! Lá fiquei eu à mercê não só do Henrique e do "Most", mas também de um , completamente melancólico, apanhado em altura de decisão sobre a vida amorosa! Entre os dois primeiros rolaram histórias de saias e de vela! Foi giro!
Em Itália havia sol, água, montanhas...Paisagens lindas e o Fiesta que o Luís simpáticamente, colocou à disposição das não participantes..Esbaldámo-nos as duas, passámos para a Suíça (sem passaportes, bastou um lindo sorriso e "vamos só ali comprar chocolates, ok?"); percorremos o Lago e a meio da semana resolvemos ir (finalmente!) a Veneza.....
Embarcamos em Milão, na estação rodoviária, abandonando o carro numa rua discreta, rezando ardentemente não termos que comunicar ao Mouse o seu desaparecimento! Veneza! Que emoção vê-la! Os meus olhos ficaram marejados de lágrimas perante o olhar incrédulo da Fátima, mulher mais pragmática e menos dada a estas loucuras!
Veneza espraiava-se, magnífica e quente, convidativa...mas primeiro urgia encontrar um local de pousio para a noite aí planeada, pelo que arrastei a minha companheira até à "Pensão" mais próxima, onde solicitei abrigo..Felizmente, provavelmente fruto de anteriores reincarnações, compreendo com alguma facilidade o italiano (simples, claro), pelo que assisti, divertida, à negociação do arrendamento do quarto, ocorrida entre a dona e um amigo, que advogava enérgica e gratuitamente a nossa causa, opondo-se ao preço inicial...Vencida, entregaram-nos a chave de uma habitação, grande mas despida, com cama de casal e uma pequena janela ao nível do solo que permitia visualizar, distintamente, os sapatos e tornozelos de quem passava! O primeiro comentário da Fata foi:"vão-nos violar aqui durante a noite e ninguém vai perceber!!"
Ao longo desse nunca-mais-esquecido-dia fizemos todos os trajectos obrigatórios, entramos em todos os lugares possíveis e pela primeira vez, encarei de frente as obras do Mestre Dali, ao vivo: o Elefante do Espaço, as aguarelas da Alice no País das Maravilhas, o Relógio que derrete como queijo...Atravessei a Ponte dos Suspiros, tentando sentir o que sentiram aqueles a atravessaram para o desespero..Abarquei na minha memória o máximo que consegui do Palácio dos Doges, deliciei-me com os violinos nas arcadas e tomei o café mais caro de sempre..Subimos à Torre e vislumbramos as ilhas e a pequenez do outrora poderoso centro mercantil...Regressamos, de noite, no vaporetto, espreitando como vizinhas bisbilhoteiras, as janelas iluminadas pelos candelabros nos palácios..
De volta aos aposentos, estávamos de rastos..Adormeci de imediato, contente..
Uma das minhas características da época eram os pesadelos: acordava espantada, balbuciava qualquer coisa e automaticamente retomava o sono, esquecendo de imediato o sucedido... Foi o que me aconteceu em Veneza para horror da Fata, já de si um pouco incomodada (era primeira vez que se metia em trabalhos do género..); aparentemente sentei-me na cama, direita, de olhos bem abertos e soltei a frase que a deixou com os cabelos em pé até que a madrugada rompesse:"Há homens no quarto!", voltando, segundos depois e de modo seráfico, a retomar o descanso!
De manhã continuamos a exploração e ao fim da tarde apanhamos o comboio, desta vez conjuntamente com os tifosi do Milano que iam assistir a uma partida importante e respectiva escolta policial..E pronto, fim da história..Para rematar, de salientar que tudo terminou de um modo feliz e que, as tripulações Lena e Zé, e Gil, venceram duas regatas nesse campeonato, para alegria e satisfação de todos os portugueses!

2007-02-05

Mulheres no Dart 18

As mulheres no Dart entraram primeiro de forma tímida, com pezinhos de lã, de repente, tal como o vento que antecede aqui as tempestades de verão, sem aviso tomaram a frota e instalaram-se!
As primeiras, as percursoras, foram a Lena e a Rosário! A "Lena do mamilo", uma das histórias preferidas do Gil (o Mac Enroy da vela, este entretinha-se a mastigar raquetas de ténis, o segundo crucificar as cruzetas das embarcações... Um dia a Lena, miúda loira e gira, absorta que se encontrava em cima da sua prancha de windsurf, esqueceu-se de colocar a parte de cima do biquini, tendo feito então a mais triunfal entrada alguma vez ensaiada no Naval, para gládio dos três velhinhos que residiam no banco em frente à rampa de acesso..Conta a lenda que estes nunca mais voltaram a ser os mesmos..); a Rosário ou Cleópatra, iniciou-se, sózinha, de nariz em riste e a teimosia própria da rainha que lhe emprestou o nome, a bordo de um laser, até aprender as manobras..
A Lena e a Rosário são umas "verdadeiras lobas do mar", nunca recuam diante de ventos, chuvas, salpicos ou outros...quantas vezes as vi sair, desejando com muita força partilhar da aventura, vestir o trapézio e partir as ondas...
Porque os nossos desejos de alguma forma acabam concretizados, o Luís e o Gordo, dupla de peso, depois uma época de vento fraco, resolveram seguir caminhos apartados, dando aso a que eu viesse a fazer equipa com o meu namorado, actual marido; a partir daí deixei de ser espectadora e as regatas passaram a significar algum trabalho e muito, muito gozo...
Nesse primeiro ano Eos enviou fortes ventanias que me fizeram cantar alto para afugentar o medo..o mastro caiu uma vez, o Dart fez chapéu de coco, eu andava coberta de nódoas negras embaraçosas que levavam a minha então esteticista a confidenciar-me, de modo cúmplice, "o meu marido também me bate!"
Mas como resistir à adrenalina, ao vento no rosto, às piadas trocadas entre as regatas, à fúria de ganhar que toma conta dos velejadores, como resistir à emoção de empinar o barco sobre as ondas e deslizar tão rápido, tão rápido, naquelas bolinas tão perfeitas?
Nos primeiros tempos a táctica passava-me ao lado! O Luís entendia que eu deveria ter assimilado tudo à primeira e para mim, nada fazia ainda sentido! Porquê uma trajectória que cada vez mais nos afastava da bóia? Porquê uma viragem tão ao largo? Porquê posicionar-me na popa, pés nos footstreps com vento forte? Porquê ter que ouvi-lo a "ladrar-me" ordens, a tratar-me como se eu fosse a tripulação da "Bounty"?Discutia e agredia furiosamente o Luís, apostado em não me facilitar nada, jurando a pés juntos, nunca mais compartilhar aquela "cama" com ele...
Com o tempo tudo fez sentido, tudo se encaixou! Com que entusiasmo eu esperava as largadas, barcos aquartelados, cronómetros no pulso engatilhados, gesto pronto para caçar o estaí e fazer disparar o Dart..sair da confusão, barco contra barco, insulto contra insulto!
À noite, durante os longos jantares tardios, revíamos cada momento, cada protesto, cada piada..Era engraçado compararmos os "bronzes" apanhados de forma inadequada, mas nenhum batia o da Mané, riscas ao longo das pernas altas de gazela..vermelho..branco..vermelho..branco..botas, pele, joelheiras, pele, calções, pele..A serenidade da Rosário que fumava o cigarro enquanto o Maranha carregava, debaixo do braço, as proas por armar, a Paula que nos fazia rir com as histórias do Ricardo, a Nônô que tinha no seu leme um galante cavaleiro, único na frota capaz de desistir fosse em que circunstâncias fosse pelo bem estar da sua dama..
A continuar.
Bons ventos...

2007-02-04

Saudade

Dizem que a saudade é um sentimento inventado pelos portugueses..que somos nós que o cantamos nos fados e que fomos nós que o disseminamos pelos mundos, à medida que avançavamos levados pelos ventos, nas caravelas..acredito que sim!
A saudade é um sentimento tão avassalador que se chega a sentir saudade antes de partir, saudade antes de conhecer, saudade da saudade..saudades dos cheiros e das cores..
Eu estou com saudades! Tenho saudades de acordar em Setúbal, de levar o Pedro e o Francisco à escola, saudade de tentar enganar a Irmã no portão para me deixar entrar apesar de já estar atrasada, de tomar café com a Carla, a Amélia e a Jota, de irromper pelo IRS adentro barafustando com algo, de ter uma pilha de pedidos à minha espera, clientes, de conversar com a Sílvia e o Pedro, ser "destratada" pela Lurdes..de almoçar no Edgar ou com quem me aprouver, de poder visitar os meus pais subitamente, de voltar cansada e de tomar chá com o Miguel e a Rita..tenho saudades de ver a Nélia e acompanhá-la, de poder ligar do telemovel a qualquer hora para qualquer pessoa..tenho saudades de jantar com a Beatriz e de me materializar repentinamente no SNRIPD...saudades de Lisboa de quem nunca me cansei..
Depois vou ter saudades daqui! Sina!

2007-02-02

Embaixadores

Costumo dizer aos meus filhos que "um português no estrangeiro é um embaixador do seu país!"
Quando chegamos ao Brasil podemos constatar que o português aqui (e falo especificamente da cidade de S. Paulo), é encarado como um personagem cuja principal actividade profissional se resume a possuir uma padaria de sucesso, ou então, uma pequena mercearia de bairro, onde, de modo avaro, toma nota das despesas do freguês, arrancando sofregamente o lápis mordido por detrás da orelha esquerda já coberta pela penugem da idade; são secundados pelas mulheres, criaturas pouco graciosas, trajadas ainda segundo os cânones da moda dos anos 50, altura em que, carregados de esperança e cheios de vontade de vencer, partiram das suas terrinhas pequenas, analfabetos, praticamente! Os filhos, de sotaque paulistano perfeito, casaram com "moças", vivem modernamente, prosseguindo os negócios de família às vezes, gastando com sabedoria ou não, o pecúlio que os progenitores, de forma árdua juntaram..Renegam normalmente as origens, embora, aquando da descoberta da minha, retomem a língua materna de modo quase perfeito, olhando com alguma desconfiança esta nova vaga de "imigrantes de ocasião"!
Nos brasileiros, os preconceitos vivem a par com a "saudade", quase todos tiveram um tio, avô, pai ou mãe de Trás-os-Montes, sendo Lisboa a capital desejada e o bacalhau o prato preferido..A língua de Camões arranca suspiros derretidos às mães dos infantes quando o Francisco se pronuncia, estarrecidas perante um ser tão pequeno e verborreico, capaz de tons tão expressivos e de palavras nunca antes ouvidas ou apenas suspeitadas..Eu rio-me sempre, porque, tal qual elas, fico de boca aberta face aos seus pequenos, nascidos com o dom da sociabilidade; um dia, perante a minha estupefacção, um deles rematou um longo monólogo com a bombástica afirmação "sou absolutamente chocolátra!"
Gosto do papel que o destino me atribuíu, sem querer desvalorizar os primeiros imigrantes, corajosos e determinados que cruzaram os mares em busca de uma vida melhor, ignorando as condições a que seriam submetidos, aceitando com humildade este destino; gosto de surpreender os nativos que partem da perspectiva que os portugueses são sorumbáticos por natureza, fechados, que sucumbem somente aos paladares da sua própria cozinha, que não possuem cultura alguma ou que, apenas se preocupam com o próprio umbigo, ignorando o mundo à volta e mais importante ainda, as pessoas que o povoam.