2007-05-27
Este fim de semana o tempo de Outono instalou-se definitivamente em S. Paulo.. Já não existem dias em que o sol apareça nem que seja de modo intermitente, a anunciar alegremente que se vive num país tropical.. Está frio e já ando de botas, recusando no entanto o pullover por uma questão de princípios (e isto recorda-me sempre a minha mãe tentando colocar um cobertor quente na minha cama, negado sob o argumento que "deste modo se tornaria demasiado confortável inviabilizando a minha saída da mesma!").
E porque com o céu escuro a cidade se torna triste, os habitantes escolhem comer a feijoada (obrigatória) aos sábados num dos estaminés conhecidos e tentar uma excursão mais cultural aos domingos.. É claro que existe sempre a opção de uma visita a uma fazenda próxima onde se pode observar in loco as senzalas mantidas intactas e arrepiarmo-nos com a crueldade dos fazendeiros, ou então, degustar algum doce típico ou um bombom de chocolate caseiro.. Ir ao cinema (ver as Tartarugas Ninja, óbvio), jantar no MCD ou planar no meio da multidão, num dos inúmeros shoppings da Capital.. Até podemos ir a Campos do Jordão, Suíça local, onde a alta sociedade exibe os casacos quentes comprados na Europa amada ou os adereços de ski adquiridos em Aspen ou Bariloche.. Tão chique!
Perante tantas opções e após um pequeno-almoço tardio, resolvemos ir até à Oca no Parque Ibirapuera ver a Exposição do Corpo Humano e a de Leonardo da Vinci (a primeira, julgava eu, terminada e em Portugal... Afinal existem várias a deambular por aí!). Quando lá chegamos foi sem assombro que deparamos com um terço da população paulista em alegre fila, animada pela mesma ideia que nos havia parecido tão brilhante! Desistimos e rumamos para a Estação da Luz, lindíssima e recuperada com dinheiro português, em meio a prédios arruinados e sem qualquer estética..Lá dentro, de um ano a esta parte, mora o Museu de Língua Portuguesa, inaugurado por um dos nossos primeiros e que de forma brilhante e simples, apresenta a génese "da" Língua, explicando de modo interactivo a todos os visitantes os abraços dados a muitas outras.. Está giro! (Só tive foi uma pena imensa de ver a minha descendencia demonstrando muito pouco interesse pela coisa.. E nem sequer o facto de ter colocado o Pedro debaixo da restricção da diminuição do numero de horas para se estupidificar no canal Jetix, teve o resultado esperado.. Infelizmente!)..
No primeiro andar do Museu, uma perspectiva da escritora nascida russa mas naturalizada brasileira, Clarice Lispector, marcava.. Confesso que jamais havia ouvido falar nela, mas para além de ser uma mulher bonita, teria sido brilhante e diferente para a época em que viveu..E gostei de uma da suas frases, pespegada nas paredes: "Porque é que um cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga.".. Clarice escrevia com a máquina nos joelhos para poder estar sempre ao lado dos filhos, acompanhando-os.. Teve dois, Pedro e Paulo a quem chamava respectivamente e carinhosamente Gafanhoto e Pernilongo e tinha o hábito engraçado de fazer longas listas que ia marcando com um xis, à medida que ia cumprindo os objectivos escritos.. Uma delas começa da seguinte forma: "viver de forma intensa as 24 horas do dia", termina "dar paz ao rosto", em meio a "morangos para pessoas de idade", "estudar o menu", "ginástica".. Gostava de se exibir nas fotos em fato-de-banho, levando-me obviamente a reparar nas suas longas pernas, livres do pesadelo "casca-de-laranja" que tanto nos atormenta, mulheres modernas..
Disse ainda "...a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio."; "Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão? Pois é a coisa última que se pode dar de si."
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