2006-12-13
Quando saio do supermercado (aqui diz-se mercado, porque o mercado é feira!), o meu carro desemboca no passeio apontado a uma "combi" (VW"pão de forma") que já viu dias melhores; a ferrugem está parcialmente escondida por uma pintura realizada em casa, ao mesmo tempo que ostenta um cartaz aliciador que reza:"Espetinho Chantackler"! Um balcão improvisado foi montado e ao volante de um fogão de campanha, em perigo de explodir a qualquer momento, encontra-se um orgulhoso galo compenetrado na realização das espetadas deliciosas, cujo cheirinho bom atraí os transeuntes..é pena Analice não mas deixar provar, afirma que "na rua não come não, mete nojo!"
Bacalhau é a palavra chave para se conversar sobre Portugal! "Você é portuguesa? Nossa, eu adoro bacalhau, que delícia!" É sempre com alguma maldade que gosto de desmontar a farsa que nós, lusitanos, ingerimos, respiramos e defecamos bacalhau!
Motoqueiros aqui é sinónimo de ciganos para os da santa terrinha! Aparecem em bandos vindos do nada, são ruidosos e mal cheirosos, ocupam estrondosamente a estrada, irrompem muitas vezes em simultâneo (esquerda e direita), fazendo encolher o carro de forma anti-natural e, caso algum infeliz motorista, sem qualquer intenção derrube um espécimen, é imediatamente circundado por uma horda, pronta a linchar, sem perguntas! Se tivermos o azar de sermos abalroados, devemos agradecer a dádiva e esquecer os riscos e mossas na pintura acabada de fazer! Ufa
"Puta merda" é uma expressão corriqueira, os pais de família usam-na na presença do seus rebentos, mas se por acaso me ouvem ameaçar o Francisco que está prestes a levar uma palmada no rabo, coram como meninos do coro! Rabo em plena Vera Cruz é mesmo muito mau! E ha, experimentem dizer simpaticamente à massagista que pode avançar com o óleo à vontade, porque hoje até envergaram umas "cuecas velhas"! Como resultado é provável estar-se em vias de ser acusado por tentativa de homicídio por sufocação (riem para dentro - com medo de perder a cliente; as mulheres aqui usam calcinha).
2006-12-07
Irmãs
Embora a Mãe Natureza me tenha brindado apenas com uma irmã (número aliás, que muitas vezes após momentos conturbados, pontuados por palavras trocadas em tom de discussão ou de amuo curto, considerei excessivo), ao longo da vida, tenho vindo a adquirir algumas outras...
A minha irmã biológica, criatura encantadora que logo de berço me roubou os afectos totais a que eu me havia habituado, é uma mulher que tem um papel predominante na minha existência (e eu na dela), embora gostemos ambas de o ignorar, deixando embaraçadas as pessoas que connosco convivem, quando as convidamos a escolher quem ostenta o melhor par de pernas; a Ana é uma mulher compenetrada na sua feminilidade, apostada em jamais ser apanhada numa situação confrangedora sem que, a sua lingerie intima esteja de pleno acordo com o cenário que por fora enverga, os sapatos impecáveis e a condizer com a malinha, comprada num "saldo incrível", ou numa daquelas lojas em que eu jamais colocarei os pés, porque óbvia como sou, só me sinto atraída por formas perfeitas e normalmente não acessíveis à minha bolsa...Toma conta dos sobrinhos como se dela se tratassem, cumulando-os de mimos e pormenores, entregando-os no fim com o suspiro de satisfação muito próprio às tias, que, uma vez cumprida a missão, podem retornar às suas existencias dedicadas a si mesmas..A minha irmã biológica é-me imprescindível e de tal forma faz parte de mim, que quase não dou por ela!
Pelo caminho tenho encontrando as outras! A Nélia, desde os meus 14, idade parva em que ambas nos sentávamos a chorar às vesperas da data de aniversário, carpindo (e com razão, sei-o agora), a fase que passava para não voltar; esta é uma irmã que jamais questionei, foi-me assegurada por um passado de vidas anteriores, com ela estou em família e sei que nunca me falhará, o afecto que nos liga já passou para as outras gerações e assim, este laço não vai ser quebrado...
A Catarina, torre de riso e boa disposição que em breve se isolou num castelo de intimidade, legando-me então um irmão, o Rui...
A Carla, a teenager mais delicada que conheci, movia-se como que nas pontas dos pés perfeitos, olhos verdes rasgados e figura de biscuit, escondendo uma determinação feroz que nos seus 40 anos se revela dia-a-dia..
A Fátima, cuja irmandade se iniciou no auge da minha primeira paixão, passando ela a ser a protagonista do meu amor e não eu, para meu desgosto e despeito; esta é uma relação que se demarcou nos tempos da universidade e que continua, sob a responsabilidade da Sofia e do Francisco que se adoram..
A Lena foi-me trazida pelo Luís, dona de um coração generoso, actriz consumada que se exibe no palco da vida (pirosa esta frase, mas verdadeira)..
A Beatriz, irmã mais velha, guru na senda do domínio do meu facilmente irascível génio...com ela vieram outras, por arrasto, por magia de um lugar denominado Quinta da Malvazia...
A Dinora, meu cromo difícil, de cores que me fogem por vezes ao controlo...
Zézinha, a madrinha perfeita, a senhorinha de um mundo bem delineado nos seus contornos...
Ritinha, prenda da Irmã Rosa, é uma irmã mais nova, cujo know how no manejo dos videogames deixa os filhos dela orgulhosos e os meus extasiados..
Silvia ou Drop, uma troca recebida na troca da vida profissional, é uma das minhas irmãs mais curiosas, porque embora uma década de existência e experiências nos separe, vivemos as duas, em tempos diferentes, as mesmas situações, lemos os mesmos livros, imaginámos juntas, sabemos as coisas mais idiotas que ninguém mais sabe...supercalifragelix....esta é uma irmã cármica!
Há outras, tantas que nem consigo pô-las aqui todas..até porque são horas de ir buscar o Pedro ao colégio, vou almoçar com o primogénito, como é meu hábito aqui no Brasil..
Tchau
2006-12-02
25 de Março
O 25 de Março em S. Paulo não é apenas uma data, aqui é uma referência para todos, uma obrigatoriedade para alguns, um horror para outros, uma curiosidade para muitos..Trata-se de uma rua, uma rua recheada de lojas e centros comerciais labirínticos, que muito como o Harrod's, oferece de tudo! Bom, talvez não se consiga comprar um elefante africano como é possível fazer em Londres, ou um jactinho privado, mas com alguns contactos bem feitos, com toda a certeza que se arranja um intermediário disposto a tratar do assunto!
Com 4 meses de imigrada jamais havia posto os meus sapatos tamanho 37, 37/5, na frenética 25 de Março, facto que, claro, me andava a macular irremediávelmente o curriculum vitae, aliado à curiosidade que me consumia, não obstante os avisos do meu dilecto marido sobre a perigosidade do local ou as expressões de desagrado de Analice, a minha doméstica desbragada!
Tomada a resolução o Luís não teve outro remédio senão acompanhar-me e assim marcamos na agenda a excursão, prevenidos contra as tentativas de roubos por esticão, balas perdidas provenientes de lutas entre comerciantes e o rio de pessoas que apesar do dia ser de semana, povoavam e compravam numa das artérias da cidade, outrora parte de um down town cuidado e moderno, hoje abandonado e referenciado como perigoso, feio e sujo! Triste!
Qualquer tentativa de descrição se perde, não é possível passar no ecrã os cheiros (brilhantina, perfumes baratos e caros, suor humano, dejectos também humanos, óleo de fritar misturado ao odor sumarento do abacaxi vendido em fatias..), massas de gente roçando-se em massas de gente, passeios desnivelados e desleixados ocupados pelos ambulantes, lojas de bijuterias finas lado a lado com as de flores de plástico, sapatos, utilidades domésticas, prendas, lingerie intima e objectos eróticos, Mc Donald's e claro, as imitações das griffes que fazem com que as paulistanas sejam as mulheres mais chiques do Brasil, estejam elas nos shoppings, bons restaurantes e cabeleireiros, ou simplesmente a lavar os banheiros das patroas!
Que mais posso eu dizer senão que os meus nervos colapsaram após algumas horas a remar contra a maré de gentes, que os meus pulmões clamavam por ar com oxigénio depois de algum tempo nos prédios sem janelas e sem condições utilizados pelos chineses, que as minhas sandálias já tinham mais porcaria nas solas do que quando eu frequentava o Bairro Azul da Bela Vista? Talvez que neste momento sou dona de um legitimo falso Rolex e que todas as minhas amigas vão ser presenteadas com lindas malinhas de noite?
Beijos