2010-02-21

Pegadas na areia fluorescentes..

Esta manha olhei pelos vidros da varanda e decidi-me pela piscina, depois de que a paisagem orlada de casas baixas e prédios distantes me devolveu, em absoluto, os olhos cheios de azul e de sol. Conseguido o dificil acordo com os herdeiros que se alongavam na preguiça e nos jogos electrónicos, descemos em direcção à água convidativa... Cheio, o recinto denunciava o fim do Carnaval e o domingo preguiçoso...

Zélia, uma das minhas amigas brasileiras, estava lá.. De óculos escuros, pele bronzeada pela estadia na Bahia natal ("Nasci em Salvador por engano Ale... Deveria era viver na Suécia, no meio do frio..."), de caipirinha de maracujá nas mãos, proseava com os amigos e o marido.. Num dos mergulhos, cabeça de fora e sorriso sempre pronto, conversamos sobre as viagens que costumava protagonizar num Brasil mais distante ("Nessa altura, Ale, era seguro você montar a barraca em qualquer lugar.. numa praia deserta, no meio de um campo.. Sem problemas! Eu e Clemente - o marido psiquiatra - fizemos esse país fora num fusca.. Eram viagens bem legais...").. Mas de todas as que contou no seu jeito simpático e directo, a mais diferente, foi a que lhe aconteceu, ainda antes do namoro com o shrink, no meio das irmãs..

Estavam na Ilha de Itaparica e como a noite convidava ao passeio, resolveram andar descalças pela praia (imagino-a a ela, num vestido muito longo, de estampado exuberante, elegante, mas sempre prática...), pisando com prazer o tapete de algas que a maré tecera nessa tarde.. à medida que imprimiam as pegadas no verde, voltando-se para trás, podiam observar as impressões que se faziam fluorescentes.. "Nunca mais Ale, nunca mais eu vivi algo semelhante! Clemente costumava dizer que estávamos maconhadas.. Estávamos nada!"

Ao ouvi-la recordei uma madrugada vivida no Portinho da Arrábida em que todas decidimos tomar banho à luz do luar, despidas.. Deixamos a roupa na areia e mergulhamos no mar completamente transparente, absurdamente frio.. E os salpicos de água, pareciam ter luz própria.. Magia!

2010-02-14

Dia de S. Valentim em Terras Lusas

O sono fugiu. O Francisco, pé e depois pé, atravessou o corredor em zig zag da casa, na pressa de chegar à cama. Aos sete anos de idade, ainda tem o gosto de me visitar subitamente no quarto, aterrando a cabeça sem cerimonia na minha almofada.. Não faço nada, estendo o braço dou-lhe um beijo, oiço o suspiro de retorno ao sono e na maior parte das vezes acompanho-o, ora aconchegando-me no seu calor, ora fugindo dele porque os trópicos, no seu melhor, não permitem as aproximações... Hoje, abandonei os dois na king size e decidi o caminho até ao beliche dos meninos.. Inutilmente, depois de uma valente topada nos dedos do meio do lado esquerdo, consequência de ter feito o trajecto de olhos fechados e meia tonta, não mais consegui voltar a adormecer!

Espantado o João Pestana, decido escrever. Em terras lusas e noutros países que não Vera Cruz, hoje é dia dos Namorados.. Por isso vou contar ("conta-me estórias"), uma estória de amor que ouvi relatada num jantar, numa varanda, numa noite muito feminina - a mesa dividida, homens de um lado, mulheres do outro - de velas acesas, de calor imenso, de cheiros bons, de comida divina, de risos e intimidades. Achei-a linda, é verdadeira e temperada com um dos meus ingredientes favoritos: a coincidencia!

Camila tinha-se apaixonado. Completamente. O primeiro amor, não o primeiro namorado! Era totalmente conrrespondida e os dias passavam-se fáceis; quando não estavam juntos, telefonavam-se horas seguidas entre o intervalo do jantar e o acordar do dia seguinte.. A Vida, tal e qual um mágico do circo perito em ilusões, havia-os colocado na mesma escola, no mesmo bairro, tão perto tão perto.. Só para depois, num golpe sem misericordia, decidir separa-los. Brutalmente! E foi assim, que numa reviravolta do destino, os pais dele se decidiram por uma vida no estrangeiro. África do Sul! Poderia ter sido para Espanha (tão fácil), para Itália (tão romântica), para Inglaterra (tão acessível), para França (duas horas de avião e voilá).. mas não! A África mais difícil, a tão longe, a tão diferente! Choraram, choraram e no fim despediram-se com promessas de amor infinito!

Durante um ano as cartas chegaram a Camila, certinhas, todos os dias. Missivas de amor que a acalmavam enquanto esperava o domingo, dia em que o avô ourives, comovido pela vontade e sofrimento da neta predilecta, a autorizava a falar cinco minutos ao telefone com o apaixonado longínquo! Metódica como ela só, Camila apontava com algum frenesim todos os tópicos a abordar durante o que pareciam escassos segundos, os mais aguardados, aqueles para os quais vivia, em suspenso, sete dias de cada vez...

Nesse ano o Natal chegou para todos na casa excepto para Camila. Subitamente, sem qualquer aviso, as mensagens diárias que eram o alento da menina, cessaram. Um dia, dois, três.. Foi-os contando e quanto atingiram os sete, depois do desespero e desgosto demonstrados ter feito o pai dragão oferecer-se para a levar a atravessar os oceanos, sob a alçada carinhosa do avô artista, o telefonema derrubou-a completamente. O namorado, aquele para o qual tinha se entregue de forma tão exclusiva, contava-lhe que vivia um novo amor. Tudo estava então, terminado.

Camila morreu. Depois lentamente voltou a viver, retornou aos hábitos, aos amigos e aos sorrisos. Estudou, casou, teve filhos e veio morar em Sampa. Mas antes, um pouco antes de tudo isto, mais generosa, a Vida quis-lhe dar uma satisfação...

Num dia de verão bonito, antes ou depois de um encontro no escritório do pai (já nao me lembro bem), em pleno Camões, Camila viu um rapaz louro, giríssimo que a olhava de forma insistente. Como nos disse a todas nessa noite, "ele era uma brasa e de repente, dirigiu-se a mim e perguntou-me: tu és a Camila, não és?.. Fiquei de boca aberta a olhar para aquele desconhecido!!" De seguida, ele explicou-se! Era um grande amigo do antigo namorado, vivia na África do Sul e havia-a reconhecido das incontáveis fotografias que pendiam das paredes do quarto daquele.. Contou-lhe ainda que ele tinha sofrido de forma tão intensa a sua ausência, que havia decidido terminar o relacionamento, tendo sido inclusive internado por um período de tempo limitado, numa clínica...Ao contrário da musica foleira "afinal ele tinha outra", ele não tinha tido ninguém. Amava-a a ela, Camila.

Passa um pouco das seis da manha aqui. A todos um dia feliz.
Camila, este post é para ti,
Com toda a amizade,

um beijo

Alex-em-Terras-de-Vera-Cruz